Excelentíssimo Senhor Doutor Ministro-Presidente do Egrégio Superior Tribunal de Justiça;
Pedido de Habeas Corpus
Com Pleito de Liminar
3. “A esperança nos Juízes é a última esperança” (Rui, Obras Seletas, t. VII, p. 204).
E. R. M.
Belo Horizonte, data.
Warley Rodrigues Belo
Advogado - OAB/MG 71.877
Ínclito Ministro-Relator;
Colenda Turma;
Ilustre Procurador;
I- Exórdio
Senhor Ministro, o réu preso teria, ou não, o direito de ser requisitado a comparecer à audiência de instrução de testemunha de defesa e testemunha ´ex officio´ do juízo? Sua presença é dispensável? Mesmo se nessa audiência são coletas AS ÚNICAS razões para o édito condenatório e, ainda, apoiado por “contradições”?
“O direito de estar presente à instrução criminal conferindo ao réu e seu defensor assenta princípio do contraditório penal. Ao lado da defesa técnica, confiada a profissional habilitado, existe a denominada autodefesa, decorrente da presença do acusado aos atos da instrução, quando lhe é dado contraditar a testemunha ou argüir circunstâncias ou defeitos que a tornem suspeita de parcialidade ou indigna de fé (art. 214 do CPP), bem assim auxiliar seu defensor na oportunidade das reperguntas.” (STF – RHC – Rel. Néri da Silveira – RT 601/443)
II- Resumo dos Fatos
1. O paciente é acusado de roubo.
2. O juízo de primeira instância, em audiência una, ouviu, em segunda oportunidade, a testemunha de defesa JANILDO SILVA (fls. 207) e, pela primeira vez, a testemunha ex officio, mãe do acusado, M DE FÁTIMA (fls. 205) no dia 15 de dezembro de 2005. A testemunha JANILDO, ouvido pela segunda vez, trouxe novos elementos, diversos do primeiro depoimento, o que fundamentou, de forma exclusiva, a sentença condenatória.
3. O réu-paciente, preso e à disposição do juízo, não foi requisitado para essa essencial segunda assentada, ao aviso de “maior celeridade do processo” (fls. 204).
4. O douto juízo a quo condenou o paciente à pena de sete anos e um mês de detenção e multa tendo fundamento ÚNICO da sentença (fls. 332) os depoimentos dessa audiência (onde o réu foi dispensado) do dia 15/12/2005, ignorando o depoimento anterior da testemunha JANILDO SILVA, quando o réu estava presente.
5. Inconformada, a defesa, apela e, em preliminar suscita a nulidade.
6. O Egrégio TJMG, ao argumento de que o acusado estivera presente na oitiva do mecânico JANILDO SILVA na primeira oportunidade (fls. 141, 142, 158, 159) alega que não houve prejuízo (fls. 474), mesmo sendo claro que os depoimentos possuem diferentes conteúdos.
7. Insurge-se, novamente a defesa, inconformada com a clara nulidade apontada, eis que o acórdão passa à margem do direito constitucional do réu preso de estar presente em audiência de testemunhas. Ainda mais quando se observa que foram esses depoimentos os ÚNICOS FUNDAMENTOS da condenação. Os DEPOIMENTOS ANTERIORES, quando o réu estava presente, NÃO SERVIRAM para a condenação do réu porque o conteúdo é diferente, diverso. Na audiência fundamental, o réu, não pôde orientar o advogado ou mesmo intervir, para sua autodefesa.
III- Do fundamento jurídico: Desrespeito ao princípio da ampla defesa
Desde o advento da Carta, nesta República, há garantias fundamentais expressas. O contraditório, a ampla defesa e a igualdade de partes (ou par conditio) formam o arcabouço do axioma nulla probatio sine defensione e serve para nortear legisladores e tribunais contra as investidas injustas e arbitrárias.
O contraditório, assegurado em sede constitucional no mesmo dispositivo normativo que garante a plenitude de defesa, é tido como um instrumento técnico por meio do qual se torna possível efetivar a ampla defesa no processo penal. Não ocorre, entretanto, primazia entre a defesa e o contraditório, visto que ambos são manifestações da garantia genérica do devido processo legal.
O princípio do contraditório compreende, em suma, o direito de acusação e defesa participarem no convencimento do juiz, a partir da sustentação de suas razões e da produção de provas, bem como da ciência que ambos devem ter dos atos processuais realizados pelo juiz e pela parte contrária.
Sem efetivar essas garantias, viveríamos em um bonito e civilizado Estado Democrático de Direito de papel, o que, lamentavelmente, não faz exceção, o caso.
O princípio da ampla defesa está expressamente previsto no artigo 5°, inciso LV, da Carta Magna de 1988. Vicente Grego Filho afirma que a ampla defesa é constituída a partir dos seguintes fundamentos:
"a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja função, aliás, agora, é essencial à Administração da Justiça (art. 133 [CF/88]); e e) poder recorrer da decisão desfavorável". (Manual de Processo Penal, 5a ed., São Paulo, Saraiva,1998)
Com bastante razão e proficiência, afirma o ilustre doutrinador que a ampla defesa é o cerne ao redor do qual se desenvolve o processo penal. Compreende, em linhas gerais, o direito à defesa técnica durante todo o processo e também o direito ao exercício da autodefesa. A primeira apresenta-se como uma defesa necessária, indeclinável, que deve ser plenamente exercida visando à máxima efetividade possível. A segunda, por sua vez, é renunciável, exercida pelo próprio acusado, sem interferência do defensor, a partir da atuação pessoal junto ao magistrado por meio do interrogatório ou pela presença física aos principais atos processuais (Sérgio Cademartori e Marcelo Coral Xavier. Apontamentos iniciais acerca do Garantismo, Boletim do ITEC, ano I, n.04, Porto Alegre, p. 6. No mesmo sentido: Antônio Sacarance Fernandes, Processo Penal Constitucional, 4ª. ed., SP: RT, 2005, p. 294).
O fato da ampla defesa ser renunciável não indica que é dispensável. Tão somente garante que poderá, o acusado, se assim desejar, declinar sua presença no interrogatório e em outros atos processuais de instrução, bem como abster-se de postular pessoalmente aquilo que lhe é permitido por lei. Não induz, todavia, submissão ao arbítrio julgador. Essencialmente ao réu preso, pois esse está sob o pálio da justiça e não tem a escolha de ir à audiência se defender, mesmo querendo... Expressamente, já se afirmou em julgamento:
“... ao lado da defesa técnica, confiada a profissional habilitado, existe a denominada autodefesa, por meio da presença do acusado aos atos processuais.” (Gf) (RTJ 46/653)
A doutrina, na lavra do arguto processualista português, Jorge de Figueiredo Dias, esclarece que deve-se:
“...dar ao argüido a mais ampla possibilidade de tomar posição, a todo momento, sobre o material que possa ser feito valer processualmente contra si, e ao mesmo tempo garantir-lhe uma relação de imediação com o juiz e as provas” (Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, p. 432).
José Frederico Marques, (Tratado de direito processual penal, Saraiva, 2º. Vol., p. 153), reforça extreme de dúvidas:
“A defesa técnica não se torna a única a poder desenvolver-se no processo penal. A seu lado existe a autodefesa, a qual consiste na participação direta do réu em quase todos os atos do processo”.
Segue nessa mesma linha de pensamento Rogério Lauria Tucci:
“À evidência que se deverá conceder ao ser humano enredado numa persecutio criminis todas as possibilidades de efetivação da ampla defesa, de sorte que ela se concretize em sua plenitude, com a participação ativa, e marcada pela contrariedade, em todos os atos do respectivo procedimento, desde a fase pré-processsual da investigação criminal, até o final do processo de conhecimento, ou de execução, seja absolutória ou condenatória a sentença proferida.” (Direitos e Garantias individuais no processo penal brasileiro, Saraiva, 1993, p. 205).
A autodefesa, portanto, apresenta-se como direito de audiência, direito de presença e direito de, pessoalmente, postular sua defesa, quando presente o ius postulandi.
E esse direito não é recente, como ensina Luigi Ferrajoli:
“O pensamento iluminista, coerente com a opção acusatória, reivindicou a presença de um e de outro a todas as atividades probatórias. Voltaire protestou contra a possibilidade de que o confronto entre o imputado e as testemunhas fosse entregue à discricionariedade do juiz em vez de ser obrigatório. (...) E o mesmo fez Pagano, que desejou que as testemunhas de acusação ‘serão interrogadas ex integro na presença do réu’ e sublinhou ‘o quanto ajuda a conhecer a verdade tal contradição’.” (Direito e Razão, Teoria do Garantismo Penal, SP: RT, 2002, p. 491)
A praxe forense, revelada nos autos, induz à inexistência material destas garantias, eis que o douto juízo a quo impediu que o próprio réu se autodefendesse, impediu que o próprio réu colhesse a contraprova, impediu que o próprio réu sustentasse a sua versão dos fatos. Impediu, em fim, o juiz, o conflito entre as partes, o contraditório entre a prova e a contraprova. O réu ficou impossibilitado de saber o que se tramava contra ele através do método absurdo e feroz. Não pôde nem ao menos suspeitar da tempestade que se preparava sobre a sua cabeça, sendo inocente como o é.
Atingiu, o juiz, o princípio da possibilidade de refutação, a que trata Luigi Ferrajoli (Direito e Razão, op. cit., p. 124).
É o que entende o STF:
“O direito de estar presente à instrução criminal conferindo ao réu e seu defensor assenta princípio do contraditório penal. Ao lado da defesa técnica, confiada a profissional habilitado, existe a denominada autodefesa, decorrente da presença do acusado aos atos da instrução, quando lhe é dado contraditar a testemunha ou argüir circunstâncias ou defeitos que a tornem suspeita de parcialidade ou indigna de fé (art. 214 do CPP), bem assim auxiliar seu defensor na oportunidade das reperguntas.” (STF – RHC – Rel. Néri da Silveira – RT 601/443)
É escandalosa a “justiça administrada na sombra”, como diria Romagnosi (Istituzioni di civile filosofia, ossia di giurisprudenza teorica, Opere, t. XIX, Piatti, Firenze, 1839, liv. IV, p. 265). Seria a mais eficaz garantia do rito anômalo construído pelo juízo, a presença física do réu... Inocência e segredo jamais andaram juntos.
O juiz não garantiu os poderes de defesa comparáveis aos poderes da acusação e, via de conseqüência, não estabeleceu, normativamente, o valor dirimente das contraprovas produzidas e das contra-hipóteses não refutadas, nem pelo Ministério Público e nem pelo próprio juiz em sua sentença, passando in albis o álibi defensivo.
O réu tem o direito de contraditar com contra-hipóteses e contraprovas! Data maxima venia, houve julgamento in absentiam.
Ao juiz caberia o hábito da imparcialidade e da dúvida, já que o réu, inclusive, fez juntar documentos a seu favor (fls.122, 123) e pretendia, através da testemunha esclarecer o triste episódio.
Observa-se o pensamento da insigne Ada Pellegrini Grinouver:
“O réu, como qualquer cidadão, é portador de uma série de direitos, de relevância prioritária e autônoma. Tais direitos devem ser tutelados pela própria autoridade jurisdicional que, no exercício de sua atividade, encontra, assim, uma série de limites.” (Liberdades públicas e processo penal, RT, 1982, p. 15).
Para que se tenha a verdadeira existência do princípio do contraditório é mister que haja contato entre réu e seu defensor. Inclusive durante a audiência de instrução. Se for verdade que o advogado deve assistir o réu, informá-lo da situação que se encontra perante o juízo, não menos verdadeiro é que o réu também deve ter a oportunidade de orientar o seu advogado, chamar-lhe atenção para suspeições, inimizades, mentiras que as testemunhas, no ato de depor, fantasiam.
O art. 5o, inc. LXIII, da CF/88, assegura ao preso assistência ao advogado. É evidente, então, para que se tenha perfeito o contraditório, sem prejuízo para a defesa, deve estar também o advogado acompanhado do réu em audiência, mormente em se tratando de réu preso, à disposição do juízo.
A presença do réu preso na produção da prova (notadamente da testemunha de defesa e testemunha ex officio do juízo) é elemento assegurador da plenitude do exercício do direito de defesa que a Constituição Federal e a lei processual penal instrumentaliza.
Não tinha (vênia!), o juízo a quo, que dispensar a presença do réu, notadamente se, naquele ato, se referiria o álibi defensivo.
O réu preso, à disposição do juízo sentenciante, tinha o direito de assistir, comparecer e presenciar os atos processuais, principalmente sendo ato instrutório relevante e que, notadamente, serviu ao deslinde da causa. Eis o quadro processual extremamente adverso aos direitos e interesses do acusado que se configurou por inércia imputável exclusivamente ao Poder Público, e cuja gravidade foi acentuada pela ausência, involuntária, do próprio réu aos atos de instrução processual, decorrente de sua não-requisição pelo juízo competente. Deve-se entender comprometida a autodefesa, anulando-se o processo, conforme remansosa jurisprudência e doutrina.
Ao versar o tema, Fernando da Costa Tourinho Filho (Processo Penal, vol. I/475, 17ª. ed., 2005, SP: Atlas) expende magistério irrepreensível, verbis:
“É causa de nulidade a ausência de requisição do réu preso na mesma unidade da Federação, quando é de conhecimento do juízo.”
Também Antonio Scarance Fernandes (Processo penal constitucional, 4ª. ed., SP: RT, 2005, p. 81).:
“A presença do acusado no momento da produção da prova testemunhal é essencial, sendo exigência decorrente do princípio constitucional da ampla defesa. Estando na audiência, pode ele auxiliar o advogado nas reperguntas a serem dirigidas à testemunha ouvida. Por isso, em caso de acusado preso, este deve ser requisitado, ainda que a prova testemunhal seja colhida em precatória.” (Gf)
Trata-se de direito subjetivo público do acusado. Tem a própria garantia da jurisdição a impedir injustiças patentes, como é o caso dos autos, a olhos postos.
Sendo evidente que se infringiu uma norma constitucional, mais claro ainda que desse vício patente só possa advir duas conseqüências: a nulidade absoluta ou a inexistência do mesmo, sendo mesmo desnecessária a demonstração de prejuízo, apesar de patente e explícito no fundamento condenatório que utilizou justamente esses depoimentos para condenar o réu.
É também a conclusão da mais alta corte desta República:
“O direito de estar presente à instrução criminal garante ao acusado a ampla defesa. A violação desse direito importa em nulidade absoluta, e não simplesmente relativa do processo.” (RTJ 79/110)
A doutrina mais abalizada é uníssona na lavra de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho (As nulidades no processo penal. 3ª. ed., SP: Malheiros, 1993, p. 133).:
“A validade da audiência depende, assim, de providências prévias... O acusado preso deve ser requisitado (art. 360, CPP), sob pena de invalidade da prova, colhida sem sua presença...” (Gf)
Também José Frederico Marques (Elementos de direito processual penal, 2 ed., RJ: Forense, 1965, vol. II, p. 64):
“A autodefesa é defesa particular do acusado, através da participação em vários atos processuais e da presença àqueles que se realizam coram populi para instrução e debates da causa.”
Não se consegue perceber qual a lógica do juízo (vênia!) em requisitar a presença do réu para algumas audiências, ex vi, fls. 83, 124, e outras não...
Piora a situação ao se constatar que o próprio juiz condenou o réu com base nessa audiência anômala, causando explícito prejuízo ao réu que não pôde se autodefender...
Tal omissão inovadora e à margem da lei, suspeita o juízo, rogata venia.
É caso de anulação do processo, é vício insanável, por ofender os princípios da ampla defesa e do contraditório previstos na Carta. O prejuízo é ínsito e patente. Ínsito porque plasmado em princípio constitucional, de onde não pode provir relativismos. Patente porque o juízo ouviu, às escuras, longe do réu, as testemunhas, e fundamentou a sua decisão no ato jurídico-teratológico.
É evidente que, em ato de tamanha importância probatória, pois que fundante do termo condenatório, não poderia e nem deveria ter-se cerceado a autodefesa.
Esse também o pensamento de Antônio Magalhães Gomes Filho:
“O imputado deve participar de todos os atos do processo, principalmente os da instrução, a fase processual mais decisiva para a aferição da efetividade do contraditório; é aqui, com efeito, que a participação ativa dos interessados mais se justifica; são as partes que tiverem contato com os fatos e estão mais aptas a trazê-los ao processo; por isso mesmo, também são elas que possuem os melhores elementos para contestar e explorar as provas trazidas pelo adversário, possibilitando ao julgador uma visão mais completa – e ao mesmo tempo crítica – da realidade” (Gf) (Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997, p. 154).
Em tal processo, nunca se poderá guardar certeza da prova porque valorada às escuras. Certamente a presença do réu traria outro deslinde à causa, pois outro teor teria a prova oral e diversa a sua valorização.
No mesmo sentido, perante a Corte de cúpula do Poder Judiciário Brasileiro: RT475/369, Rel. Thompson Flores; RTJ 67/87, Rel. Bilac Pinto; HC 75.319-1, Rel. Marco Aurélio; HC 69495, Rel. Sepúlveda Pertence; HC 54.543 Rel. Leitão de Abreu; RT 691/379, Rel. Celso de Mello.
Pede vênias para transcrever três arestos ilustrativos (grifamos):
HC 54543 / RJ - RIO DE JANEIRO HABEAS CORPUS Relator(a): Min. LEITAO DE ABREU Julgamento: 18/08/1976 Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA Publicação: DJ 10-09-1976 PP-***** RTJ VOL-00079-01 PP-00110 Ementa HABEAS CORPUS. NULIDADE PROCESSUAL. O DIREITO DE ESTAR PRESENTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL, CONFERIDO AO RÉU, ASSENTA NA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL QUE GARANTE AO ACUSADO AMPLA DEFESA. A VIOLAÇÃO DESSE DIREITO IMPORTA NULIDADE ABSOLUTA, E NÃO SIMPLESMENTE RELATIVA, DO PROCESSO. NO CASO, O RÉU, EMBORA REQUISITADO PELO JUIZ, NÃO COMPARECEU A AUDIENCIA, PORQUE A AUTORIDADE POLICIAL DE OUTRA CAPITAL, ONDE SE ACHAVA PRESO, DECLAROU, EM TELEGRAMA, QUE NÃO PODIA ATENDER A REQUISIÇÃO, POR MOTIVOS QUE DEPOIS EXPLICARIA POR OFICIO. REALIZAÇÃO, NO MESMO DIA DA CHAGADA DO TELEGRAMA, DA AUDIENCIA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS, DIZENDO-SE NA ASSENTADA QUE ESTAVA JUSTIFICADO O NÃO COMPARECIMENTO DO RÉU. NULIDADE DO PROCESSO A PARTIR DESSA AUDIENCIA. PEDIDO DEFERIDO.
HC 67755 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 26/06/1990 Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Publicação: DJ 11-09-1992 PP-14714 EMENT VOL-01675-02 PP-00323 RTJ VOL-00142-02 PP-00477 Ementa "HABEAS CORPUS" - DEFESA PREVIA - DEFENSOR CONSTITUIDO AUSENTE AO ATO DE INTERROGATORIO JUDICIAL - NECESSIDADE DE SUA NOTIFICAÇÃO PARA OFERECE-LA - A QUESTÃO DA LIBERDADE DE ESCOLHA DO DEFENSOR PELO RÉU - A GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL - DIREITO DO RÉU PRESO DE SER REQUISITADO E DE COMPARECER AO JUÍZO DEPRECADO PARA OS ATOS DE INSTRUÇÃO PROCESSUAL - POLEMICA DOUTRINARIA E JURISPRUDENCIAL EM TORNO DO TEMA - ANULAÇÃO DO PROCEDIMENTO PENAL - CONCESSÃO DO "WRIT" - CONSUMAÇÃO DA PRESCRIÇÃO PUNITIVA DO ESTADO - VEDAÇÃO DA "REFORMATIO IN PEJUS" INDIRETA - DECLARAÇÃO DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. - O DEFENSOR CONSTITUIDO, QUANDO AUSENTE AO ATO DE INTERROGATORIO JUDICIAL DO RÉU, DEVERA SER NOTIFICADO PARA EFEITO DE APRESENTAÇÃO DA DEFESA PREVIA. ESSE ATO DE NOTIFICAÇÃO, QUE E INDECLINAVEL, IMPÕE-SE COMO NATURAL CONSECTARIO DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. A FALTA DESSA NOTIFICAÇÃO CONSTITUI NULIDADE ABSOLUTA, APTA A INFIRMAR A PROPRIA VALIDADE DO PROCESSO PENAL CONDENATÓRIO. - O RÉU TEM O DIREITO DE ESCOLHER O SEU PRÓPRIO DEFENSOR. ESSA LIBERDADE DE ESCOLHA TRADUZ, NO PLANO DA "PERSECUTIO CRIMINIS" ESPECIFICA PROJEÇÃO DO POSTULADO DA AMPLITUDE DE DEFESA PROCLAMADO PELA CONSTITUIÇÃO. CUMPRE AO MAGISTRADO PROCESSANTE, EM NÃO SENDO POSSIVEL AO DEFENSOR CONSTITUIDO ASSUMIR OU PROSSEGUIR NO PATROCINIO DA CAUSA PENAL, ORDENAR A INTIMAÇÃO DO RÉU PARA QUE ESTE, QUERENDO, ESCOLHA OUTRO ADVOGADO. ANTES DE REALIZADA ESSA INTIMAÇÃO - OU ENQUANTO NÃO EXAURIDO O PRAZO NELA ASSINALADO - NÃO E LICITO AO JUIZ NOMEAR DEFENSOR DATIVO SEM EXPRESSA AQUIESCENCIA DO RÉU. - O ACUSADO - INOBSTANTE PRESO E SUJEITO A CUSTODIA DO ESTADO - TEM O DIREITO DE COMPARECER, ASSISTIR E PRESENCIAR OS ATOS PROCESSUAIS, ESPECIALMENTE AQUELES REALIZADOS NA FASE INSTRUTORIA DO PROCESSO PENAL CONDENATÓRIO. INCUMBE AO PODER PÚBLICO REQUISITAR O RÉU PRESO PARA PRESENCIAR, NO JUÍZO DEPRECADO, A INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS. ESSA REQUISIÇÃO DO ACUSADO PRESO, QUE OBJETIVA GARANTIR- LHE O COMPARECIMENTO A INSTRUÇÃO CRIMINAL, TRADUZ CONSEQUENCIA NECESSARIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE ASSEGURAM AOS REUS EM GERAL, "EM CARÁTER INDISPONIVEL", O DIREITO AO "DUE PROCESS OF LAW" E, POR VIA DE CONSEQUENCIA, AO CONTRADITORIO E A AMPLA DEFESA, COM TODOS OS MEIOS E RECURSOS A ESTA INERENTES. SÃO IRRELEVANTES, NESSE CONTEXTO, AS ALEGAÇÕES DO PODER PÚBLICO CONCERNENTES A DIFICULDADE OU INCONVENIENCIA DE PROCEDER A REMOÇÃO DE ACUSADOS PRESOS A OUTROS PONTOS DO ESTADO OU DO PAIS. ESSAS ALEGAÇÕES, DE MERA CONVENIENCIA ADMINISTRATIVA, NÃO TEM - E NEM PODEM TER - PRECEDENCIA SOBRE AS INAFASTAVEIS EXIGENCIAS DE CUMPRIMENTO E RESPEITO AO QUE DETERMINA A CONSTITUIÇÃO. POLEMICA DOUTRINARIA E JURISPRUDENCIAL EM TORNO DESSE TEMA. A POSIÇÃO (MAJORITARIA) DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: OCORRENCIA DE NULIDADE MERAMENTE RELATIVA. RESSALVA DA POSIÇÃO PESSOAL DO RELATOR, PARA QUEM A VIOLAÇÃO DESSE DIREITO IMPLICA NULIDADE ABSOLUTA DO PROCESSO PENAL CONDENATÓRIO. A PRESENCA DO ACUSADO E A SUA PARTICIPAÇÃO PESSOAL NOS ATOS PROCESSUAIS CONSTITUEM EXPRESSAO CONCRETA DO DIREITO DE DEFESA. PERSPECTIVA GLOBAL DA FUNÇÃO DEFENSIVA: A AUTODEFESA DA PARTE E A DEFESA TECNICA DO ADVOGADO. - EM FACE DO DECURSO TEMPORAL JA VERIFICADO, E TENDO PRESENTE A IMPOSSIBILIDADE DE "REFORMATIO IN PEJUS" INDIRETA, POSTO QUE A DECISÃO PENAL CONDENATÓRIA, COM TRÂNSITO EM JULGADO PARA A ACUSAÇÃO, FOI INVALIDADA EM VIRTUDE DE INICIATIVA DO PRÓPRIO ACUSADO, E DE TER-SE COMO INCIDENTE E CONSUMADA A PRESCRIÇÃO DA PRETENSAO PUNITIVA DO ESTADO, SEM A NECESSIDADE DE O RÉU, ORA PACIENTE, SER SUBMETIDO A NOVO JULGAMENTO. DOUTRINA E PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. VEJA RTJ-72/689, RTJ-81/400, RT-189/118, RT-321/324, RTJ-95/148, RT-580/371, RT-507/329, RTJ-48/797, RTJ-57/23, RTJ-79/110, RTJ-60/348, RTJ-101/1010, RTJ-84/105, RT-558/398, RTJ-113/1076,RT-597/291 .N. PP.: (37). REVISÃO: (NCS).INCLUSAO: 20.10.92, (MV).ALTERAÇÃO: 10.02.94, (MK)
HC 69495 / DF - DISTRITO FEDERAL HABEAS CORPUS Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento: 01/09/1992 Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Publicação: DJ 01-07-1993 PP-13143 EMENT VOL-01710-01 PP-00223 Ementa: I. Interrogatório: segundo a jurisprudência do STF, não o vicia a ausência do defensor nem a falta de previa nomeação de defensor dativo ao réu carente, salvo documentação "in concreto" de prejuízo: precedentes. II. Instrução: ausência a audiência de instrução da ré presa e a disposição do juízo: nulidade, que a dispensa da requisição pelo defensor dativo assim como o silencio deste nas alegações finais não fazem convalescer.
E não é só. Perante o STJ: RSTJ 75/324, Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro; HC 15.149, Rel. Hamilton Carvalhido; Resp. 346.677, Rel. Fernando Gonçalves; RT 782/536, Rel. Vicente Leal; RT 479/364.
Pede vênias para fazer a juntada (anexo) de outras decisões.
Também a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8, inc. 2, f, decreto nº 678 de 06.11.1992 - DOU 09.11.1992) assegura o direito de inquirir a testemunha. Ex vi:
Art. 8º
(...)
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
(...)
f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos.
Parece-nos inquestionável o direito do réu em estar presente ao ato procedimental. O juízo penal a quo deveria ser o principal contribuidor da lógica do próprio réu e não seu algoz inquisidor. É inconcebível que o juiz se possa pretender, cegamente, como substituto do réu. Parafraseando Bentham (Traité des preuves judiciaires, cit. por Luigi Ferrajoli, op. cit., p. 493):
“a verdadeira honradez de um juiz consiste em não exigir jamais uma tal confiança, em refuta-la quando se lha quiser atribuir, em colocar-se acima de qualquer suspeitas, impedindo que elas possam nascer e oferecendo ao público o espetáculo da sua consciência e de sua virtude.”
Por tudo isso, espera e confiante na declaração de nulidade absoluta do processo a partir, inclusive, da audiênia anômala de fls. 164.
IV- Da Medida Liminar em Habeas Corpus
Andou em causa, mas agora se rejeita de plano, a perplexidade acerca do cabimento da medida liminar em processo de habeas corpus, que isto mesmo persuade a lição de juristas de sólido saber e distinta nomeada.
Discursa Alberto Silva Franco:
"Apesar da omissão do legislador, a doutrina processual penal, na trilha das manifestações pretorianas, tem dado acolhida à liminar no habeas corpus, emprestando-lhe o caráter de providência cautelar" (Medida Liminar em Habeas Corpus, RBCC, no. 1, p. 72).
Júlio Fabbrini Mirabete não se desconvizinha desta opinião:
"Nada impede seja concedida liminar no processo de habeas corpus, preventivo ou liberatório, quando houver extrema urgência" (Processo Penal, 2a ed., p. 696).
À derradeira, em livro notável e prestantíssimo, no qual tratou ex professo a matéria, escreveu Pedro Gagliardi que o fim precípuo da liminar é
"assegurar maior presteza aos remédios heróicos constitucionais, evitando que se complete uma coação ile-, gal ou impedindo o seu prosseguimento" (As Liminares em Processo Penal, Ed. Saraiva, 1999, p. 18).
A medida liminar em habeas corpus, portanto, não somente o direito a admite, senão ainda que se tem por imperativo de justiça e de boa razão requer que se determine a soltura do paciente (liminar), eis que condenado em processo absolutamente nulo, até derradeira decisão final desse writ reconhecendo-se a nulidade apontada (pedido).
V- Do pedido
Em face desta razões, e de outras muitas que passa em silêncio, por escusadas, visto é a Vossa Excelência, Ministro de tudo eminente, que se está dirigindo, espera o impetrante digne-se a deferir ao paciente a ordem de Habeas Corpus para que se anule o processo a partir da audiência anômala, fazendo vitoriosa a disposição constitucional do contraditório e ampla defesa, expedindo-se, conseqüentemente, o alvará de soltura, para que responda o processo em liberdade, pelo excesso de prazo.
Pede deferimento.
Belo Horizonte, data.
Warley Rodrigues Belo
Advogado - OAB/MG 71.877
Advogado Criminalista em Belo Horizonte / MG. Mestre em Ciências Penais / UFMG. Professor da Pós-graduação em Direito da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), UNESC (Centro Universitário Espírito Santo), FIC-Doctum (Caratinga / MG). Professor de Graduação da Faculdade Kennedy.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BELO, Warley. Pedido de Habeas Corpus Com Pleito de Liminar - Com Pleito de Liminar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 set 2008, 14:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Peças Jurídicas/14935/pedido-de-habeas-corpus-com-pleito-de-liminar-com-pleito-de-liminar. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Conteúdo Jurídico
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